Umbigo sujo

Alguns dias atrás, depois de dar banho no meu filho, Davi, repa­rei que em seu umbi­gui­nho ain­da havia umas sujei­ri­nhas. Achei que tinha dado um banho capri­cha­do e que ele esta­va com­ple­ta­men­te lim­po; con­tu­do, fal­tou um pou­co mais de aten­ção de minha par­te, pois me des­cui­dei de uma área do cor­pi­nho do Davi que real­men­te é peque­na, mas que tam­bém pre­ci­sa­va de cuidado.

Essa expe­ri­ên­cia me fez pen­sar que mui­tas vezes é assim que agi­mos dian­te de Deus: lim­pa­mos aqui­lo que está mais apa­ren­te em nos­sa vida, mas dei­xa­mos de lado deta­lhes e coi­sas peque­nas. Fica­mos com o umbi­go sujo por­que acha­mos que Deus não vai repa­rar nem se impor­tar. Mas Deus, sen­do um pai amo­ro­so e cui­da­do­so, não dei­xa de repa­rar que há áre­as em nos­sa vida que pre­ci­sam de uma boa faxi­na, ain­da que não este­jam tão apa­ren­tes. Ele dese­ja que fique­mos ple­na­men­te lim­pos, lava­dos e puri­fi­ca­dos, pois foi por isso que Cris­to mor­reu em nos­so lugar, para nos lavar de todo pecado.

Pen­san­do no con­tex­to da Refor­ma Pro­tes­tan­te, que será lem­bra­da nes­ta sema­na, deve­mos tam­bém per­gun­tar se o umbi­go da Igre­ja não está sujo. Mui­tas vezes a Igre­ja demons­tra e apa­ren­ta estar em ordem, lim­pa, mas se des­cui­da de ques­tões meno­res e inter­nas que aca­bam com­pro­me­ten­do o todo. Mar­ti­nho Lute­ro ques­ti­o­nou uma Igre­ja que se dizia san­ta, deten­to­ra exclu­si­va dos mei­os da gra­ça, con­du­zi­da por líde­res con­si­de­ra­dos infa­lí­veis e repre­sen­tan­tes dire­tos de Deus, pois essa mes­ma igre­ja, tão “ima­cu­la­da”, legi­ti­ma­va a escra­vi­dão, ven­dia o per­dão dos peca­dos e fazia ques­tão de dei­xar seus fiéis às cegas. O des­te­mi­do Lute­ro dis­se então que o umbi­go da Igre­ja esta­va sujo, mui­to sujo.

Hoje, nos­sa igre­ja ain­da pre­ci­sa olhar para o pró­prio umbi­go antes de falar do dos outros. Há quem defen­da a tese de que não deve­mos cri­ti­car outras igre­jas ou deno­mi­na­ções, mas a refle­xão, a crí­ti­ca e a denún­cia são algo pro­fun­da­men­te cris­tão. Duran­te seu minis­té­rio ter­re­no, Jesus ques­ti­o­nou inú­me­ras vezes os líde­res e as pos­tu­ras ado­ta­das por eles. Con­tu­do, a crí­ti­ca que faze­mos deve come­çar pela nos­sa pró­pria rea­li­da­de. Os pri­mei­ros a serem ques­ti­o­na­dos deve­mos ser nós mesmos.

A Igre­ja Meto­dis­ta e nos­sa igre­ja local não são per­fei­tas. Há ques­tões ins­ti­tu­ci­o­nais e polí­ti­cas que mere­cem uma séria refle­xão de todos nós, espe­ci­al­men­te das lide­ran­ças, nos mais dife­ren­tes níveis. Tal refle­xão deve­ria nos levar a repen­sar algu­mas de nos­sas pos­tu­ras e méto­dos. Mui­tas vezes, nós, meto­dis­tas, nos gaba­mos por ser uma igre­ja his­tó­ri­ca e séria, mas isso não nos tor­na melho­res nem pio­res do que outras igre­jas. Tal­vez o erro, o peca­do das outras seja mais visí­vel, mas não é por­que nos­sa sujei­ra está ape­nas no umbi­go que vamos fin­gir que está tudo bem, que está tudo limpo.

Um dos lemas da Refor­ma do sécu­lo XVI era “Igre­ja refor­ma­da, sem­pre se refor­man­do”; ou seja, a Igre­ja pre­ci­sa estar em cons­tan­te meta­mor­fo­se e con­tex­tu­a­li­za­ção para que a ini­qui­da­de den­tro dela não se tor­ne banal e para que sua ação não este­ja des­co­nec­ta­da com a vida. Pode­mos ser bons em mui­tas coi­sas, pode­mos fazer mui­tas coi­sas melhor do que os outros, mas, se nos­so umbi­go esti­ver sujo, não pas­sa­re­mos de um bebê chei­ro­so, fofi­nho e com rou­pas lim­pi­nhas, mas ain­da sujo.

Pr Tiago Valentim

Com cari­nho e esti­ma pastoral,
Pr. Tia­go Valentin

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