A solidão deve ser sentida

Uma das coi­sas mais difí­ceis de con­tro­lar são as emo­ções. Elas podem ser bem com­pli­ca­das. Algu­mas são per­fu­ma­das, como a mais bela rosa. Outras podem ser sen­ti­das de manei­ra dúbia, como quan­do você vê o mais belo sor­ri­so no ros­to do filho de um refu­gi­a­do e pen­sa que, naque­le momen­to, nada no mun­do pode ser mais pre­ci­o­so e belo, mes­mo saben­do de todas as coi­sas ter­rí­veis que aque­la cri­an­ça viveu. Des­cre­ven­do isso, obser­vei que o sen­ti­men­to que eu que­ria pas­sar foi trans­mi­ti­do. Mas apa­re­ceu outro, no final da sen­ten­ça. E aí per­ce­bo que sem­pre se pode sen­tir mais do que uma emo­ção de uma só vez, ou uma segui­da de outra.

Len­do um peque­no tex­to sobre soli­dão que escre­vi um ano atrás, per­ce­bo como estou dife­ren­te. Pare­ce que li o tex­to de outra pes­soa, total­men­te diver­sa de quem sou hoje. Alguém que acre­di­ta­va que a soli­dão pode­ria lhe dar a esco­lha de ser ou não ser sen­ti­da. Bem, hoje eu não acre­di­to mais nis­so. Pode ser ver­da­de, pode não ser; depen­de de como cada um esco­lhe lidar com ela. A soli­dão, para mim, é base­a­da em pro­ces­sos, assim como a minha vida.

Ela me pega de sur­pre­sa, nun­ca sei quan­do ela chega.

Ela nun­ca che­ga na hora; avi­sa, mas não demora.

Ela te joga de um esta­do para outro, brin­can­do com os movi­men­tos do seu corpo.

E traz con­si­go mais meia dúzia, que caem sobre você como gotas de chuva.

Por uma hora ela te domi­na; por um minu­to ela se dei­xa ser dominada,

Tra­zen­do outros com­pa­nhei­ros, emo­ções tão fiel­men­te guardadas.”

Um pro­ces­so de dor é como se eu esti­ves­se sozi­nha numa sala escu­ra, para sem­pre. Sim, isso pode ser bem dra­má­ti­co! Minha fér­til ima­gi­na­ção sonha como seria minha vida com todos os ami­gos que tive de dei­xar fisi­ca­men­te. E isso é doloroso.

Lem­bran­ças, das mais ale­gres às mais tris­tes, que come­çam com um lin­do sor­ri­so em meu ros­to, mas ter­mi­nam com lágri­mas de sau­da­de rolan­do em minhas faces. Como quan­do me lem­bro da minha irmã­zi­nha, de todas as nos­sas brin­ca­dei­ras, das boba­gens que cos­tu­má­va­mos falar uma para a outra…

Enquan­to eu me lem­bro de tudo isso, alguém bate à por­ta. “Oh, olá, sau­da­de! Não te espe­ra­va por aqui tão cedo”. E aí vou eu, tris­te por não poder encon­trar minha irmã sem­pre que que­ro, com sau­da­de de tudo o que vive­mos jun­tas e do que não vive­rei com ela. É bem tris­te pen­sar nis­so, sim. E acon­te­ce bastante.

É como se fos­se um fil­me mui­to lon­go pas­san­do pela minha men­te, com todas as ima­gens que meu cére­bro con­se­guiu guar­dar até o dia de hoje, todas as pes­so­as que já pas­sa­ram pela minha vida e tudo o que eu pode­ria ter vivi­do se tives­se esco­lhi­do ficar. Sim, a sau­da­de do futu­ro que eu pode­ria ter tido! Mas não me arre­pen­do da esco­lha que fiz. Foi uma esco­lha que, mes­mo tra­zen­do seus momen­tos de dor, con­ti­nua sen­do feliz.

Como ain­da esta­mos num pro­ces­so, algo den­tro de mim me lem­bra, de uma manei­ra espe­ci­al, que a dor sofri­da ago­ra não che­ga per­to do que será a ale­gria depois. E esse algo que está sem­pre cres­cen­do den­tro de mim e flo­res­ce nova­men­te é a esperança.

Dei­xei minha famí­lia e ami­gos, mas hou­ve um pro­pó­si­to para isso, que é total­men­te expli­cá­vel. Não dei­xei as pes­so­as que eu amo por elas não pre­ci­sa­rem de mim ou de Deus, não! Todos nós pre­ci­sa­mos de Deus. E é por isso que eu pre­ci­so ir para luga­res aos quais nin­guém jamais foi, a fim de apre­sen­tar a outros povos a espe­ran­ça mais viva que já experimentei.

Ima­gi­no como Jesus tam­bém já deve ter se sen­ti­do só, mes­mo que sem­pre cer­ca­do de pes­so­as que Ele conhe­cia pelo cami­nho. E a sau­da­de que tinha do Seu Pai, que está no céu. Ain­da que Jesus pudes­se encon­trá-Lo em Suas ora­ções, não era o mes­mo que fisi­ca­men­te. Mas, assim como li em outro tex­to, Jesus sabia que o Seu pro­pó­si­to era mai­or do que a Sua pró­pria vida físi­ca. Tan­to que Ele esco­lheu abrir mão dela para que hoje nós pudés­se­mos nos recon­ci­li­ar com Deus e ter res­tau­ra­do nos­so rela­ci­o­na­men­to com o Pai.

Essa é a espe­ran­ça que eu car­re­go, cui­do, rego, e que está sem­pre flo­res­cen­do no meu coração.

Hoje eu pen­so que a soli­dão deve ser sen­ti­da, por mais que eu não quei­ra admi­tir para mim mes­ma que às vezes me sin­to só. Tam­bém não acre­di­to que exis­ta ape­nas um tipo de soli­dão. Soli­dão é o que você faz dela. Há momen­tos em que a gen­te quer estar só e outros em que pre­fe­re estar jun­to de alguém. São momen­tos. De qual­quer manei­ra, mes­mo dolo­ri­da, é bom que a soli­dão seja sen­ti­da. Um momen­to leva a outro, uma emo­ção leva a outra e, inde­pen­den­te­men­te de como ela come­çou, vai pas­sar. E vai pas­sar bem.

E, mes­mo que eu me sin­ta sozi­nha, na ver­da­de não estou nun­ca só.

Por Mari­a­na Wada,
mem­bro da I.M. em Ita­be­ra­ba e mis­si­o­ná­ria na Jovens com uma Mis­são (Jocum)

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