Quando o amor adoece

Fomos cri­a­dos por Deus para o amor. Uma pes­soa ver­da­dei­ra­men­te autên­ti­ca é uma pes­soa que não blo­que­ou o amor de Deus em sua vida. Nela, há ple­ni­tu­de, há ale­gria, há com­pre­en­são, há acei­ta­ção de si mes­ma e do outro. E ali não exis­te o medo, que tan­tas limi­ta­ções traz, pois o ver­da­dei­ro amor lan­ça fora o temor (1Jo 4.18).

Entre­tan­to, como tudo aqui­lo que é ver­da­dei­ro e sadio é sus­cep­tí­vel de se tor­nar fal­so e enfer­mi­ço, o amor tam­bém pode ado­e­cer. Quan­do encon­tra­mos algu­ma pes­soa “difí­cil” pela fren­te, não sig­ni­fi­ca que ela não tenha amor – ela tem, mas o seu amor está ado­e­ci­do. O que é o orgu­lho, senão o exces­so de amor-pró­prio que não con­se­gue olhar o outro? O que é o res­sen­ti­men­to senão o amor que se recu­sa a per­do­ar? Que é a bai­xa auto-esti­ma senão o amor que per­deu a capa­ci­da­de de acei­tar-se com todas as suas limitações?

Pau­lo nos ensi­na no seu “hino ao amor” que um amor sadio não é orgu­lho­so, não se enso­ber­be­ce, não arde em ciú­mes, é capaz de espe­rar, é gen­til, é ter­no… Mas quan­do esse amor ado­e­ce, desen­vol­ve-se no seu lugar, um amor-vam­pi­ro, que suga o outro, que cobra, que exi­ge, que sufo­ca, que nos faz pesa­dos e pesarosos.

Quan­do o amor ado­e­ce não nos acei­ta­mos como somos, a des­pei­to de todas as coi­sas boas que Deus nos dá, e desen­vol­ve­mos inte­ri­or­men­te a rai­va ou a tris­te­za, por­que não somos ou mais altos, ou mais boni­tos, ou mais capa­zes, ou mais ricos, ou mais talen­to­sos. Há sem­pre um des­con­ten­ta­men­to advin­do de difi­cul­da­des de não ape­nas dar, mas tam­bém de rece­ber – e che­ga-se ao pon­to de “estra­gar” aqui­lo que foi rece­bi­do de bom.

Quan­do o amor ado­e­ce não acei­ta­mos a liber­da­de do outro, mas vive­mos para mani­pu­lar as pes­so­as, man­tê-las apri­si­o­na­das, fazer jogui­nhos, fazer cobran­ças. O amor ado­e­ci­do é sem­pre con­tro­la­dor e mani­pu­la­dor, pois lhe dá ver­ti­gens ima­gi­nar que o outro pos­sa ser livre e… voar. Por isso “engai­o­la-se” o obje­to ama­do, que pas­sa a ser obje­to por não se poder vê-lo como ser huma­no, livre que é. E para quem está enfer­ma­do é pre­fe­rí­vel um pás­sa­ro tris­te na gai­o­la – cujas bar­ras cha­ma­mos de cui­da­do ou de pro­te­ção – que apre­ciá-lo em sua liber­da­de. Nor­mal­men­te, pes­so­as domi­na­do­ras vivem ator­men­ta­das pelo medo de per­der o con­tro­le sobre o amado.

Esse mes­mo pro­ces­so ocor­re em igre­jas cujos líde­res pro­cu­ram con­tro­lar os seus mem­bros, suas vidas pes­so­ais, suas esco­lhas, seus gos­tos e pra­ze­res. O após­to­lo Pedro recu­sa-se a ser “domi­na­dor dos que lhe foram con­fi­a­dos” (2Pe 5.3). Esse tipo de domi­na­ção é mui­to comum em igre­jas lega­lis­tas e atu­al­men­te em gru­pos celu­la­res. Igre­jas ado­e­ci­das que­rem “esprei­tar a liber­da­de que temos em Cris­to Jesus e redu­zir-nos à escra­vi­dão” (Gl 2.4), sim, por­que o amor enfer­mi­ço é domi­na­dor, sub­ju­ga, acor­ren­ta, mani­e­ta, encar­ce­ra, e liber­da­de é uma pala­vra que só rima com amor de verdade.

Quan­do o nos­so amor ado­e­ce, ques­ti­o­na­mos o amor de quem nos ama, o medo da per­da é recor­ren­te, a dúvi­da e a inse­gu­ran­ça tomam con­ta de cada pen­sa­men­to. Com­pre­en­de-se daí por­que cada vez mais cren­tes exi­gem tan­to seus direi­tos a Deus – é por­que não têm con­fi­an­ça no amor do Pai, e Ele “pre­ci­sa” a todo o momen­to ser lem­bra­do por nós para que aten­te para aqui­lo que temos direito.

Quan­do o amor ado­e­ce vive­mos mal, lou­va­mos mal, ado­ra­mos mal e tor­na-se impos­sí­vel a comu­nhão com Deus e com os irmãos. Enquan­to não per­ce­ber­mos isso, e não bus­ca­mos a cura, jamais sabe­re­mos o que é ter uma alma apa­zi­gua­da que apren­deu a des­can­sar no amor. Essa cura só tem iní­cio quan­do para­mos de ten­tar mani­pu­lar as pes­so­as, quan­do acei­ta­mos a nós mes­mos sem medo de enfren­tar o que temos de mais mes­qui­nho, quan­do abri­mos mão de con­tro­lar o outro e de con­tro­lar as situ­a­ções. O ver­da­dei­ro amor traz des­can­so e não cul­pa, traz per­dão e não res­sen­ti­men­to, o ver­da­dei­ro amor liber­ta as pes­so­as, e não engai­o­la. Quem ama sadi­a­men­te tem dig­ni­da­de, tem tranqüi­li­da­de para enfren­tar os reve­ses e não teme a soli­dão, pois está bem acom­pa­nha­do interiormente.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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