Geração de cristal

Às vezes me pego matu­tan­do e ana­li­san­do o com­por­ta­men­to das pes­so­as. Como nos­so mun­do está estra­nho! É cla­ro que o mun­do muda, a soci­e­da­de “evo­lui”, os tem­pos são outros, mas fico aqui pen­san­do o quan­to as coi­sas muda­ram de fato para melhor, pois a impres­são que tenho é de que tudo está fican­do pro­gres­si­va­men­te mais chato.

As pes­so­as estão se tor­nan­do cada vez mais melin­dro­sas, o poli­ti­ca­men­te cor­re­to mui­tas vezes ser­ve mais para tolher e repri­mir do que para cor­ri­gir as ati­tu­des das pes­so­as. Hoje “tudo” é bullying, pre­con­cei­to, into­le­rân­cia. Con­fes­so que está fican­do difí­cil viver nes­se mun­do anti­pá­ti­co, care­ta e hermético.

Creio que cer­tos cui­da­dos são pro­ce­den­tes, mas tam­bém vejo mui­tos exces­sos na ten­ta­ti­va de res­guar­dar o direi­to, a pri­va­ci­da­de e a inte­gri­da­de das pes­so­as. O que que­ro dizer com isso? Tal­vez, na ten­ta­ti­va de pro­te­ger e aco­lher as pes­so­as, este­ja­mos cri­an­do uma gera­ção de cris­tal, que, ao menor toque, se que­bra. As pes­so­as estão desa­pren­den­do a rece­ber crí­ti­cas, bron­cas, exor­ta­ções e repreensões.

Quan­do che­guei a São Pau­lo pela pri­mei­ra vez, 22 anos atrás, rece­bi no colé­gio o “cari­nho­so” e joco­so ape­li­do de Chi­co Ben­to! Isso por­que eu havia mora­do por dez anos no inte­ri­or do Esta­do e tinha um sota­que bem car­re­ga­do e sin­gu­lar. Meus que­ri­dos cole­gui­nhas, muni­dos de mui­ta cri­a­ti­vi­da­de, não tive­ram dúvi­da dian­te daque­le cai­pi­ri­nha, e logo o ape­li­do pegou. É cla­ro que, nos meus 10 para 11 anos, não gos­tei nem um pou­co da brin­ca­dei­ra. Mas aque­la situ­a­ção me fez cres­cer, e mui­to. Ela me fez ama­du­re­cer e ter cla­re­za da minha iden­ti­da­de, me fez ganhar jogo de cin­tu­ra, paci­ên­cia, espí­ri­to espor­ti­vo, tole­rân­cia e mui­ta, mui­ta paciência.

Mui­tos vão dizer: “Mas você foi víti­ma de bullying, e isso foi erra­do”. Sim, é ver­da­de. Era bullying. Mas quem dis­se que hoje tam­bém não sofro bullying? O fato é que, sen­do cer­to ou erra­do, eu apren­di a lidar com aque­la situ­a­ção, que na ver­da­de me tor­nou uma pes­soa mais for­te, e hoje aguen­to mui­to mais as brin­ca­dei­ras, pia­das, indi­re­tas e crí­ti­cas dire­ci­o­na­das à minha pessoa.

Lon­ge de mim legi­ti­mar ou incen­ti­var a prá­ti­ca do bullying, mas a super­pro­te­ção dos pais, do pro­fes­sor ou do pas­tor pode ser tão pre­ju­di­ci­al quan­to o bullying. Na esco­la, eu nun­ca recor­ri aos pro­fes­so­res nem pedi aos meus pais para irem me defen­der. Fiz isso sozi­nho, enfren­tei meus desa­fi­os da infân­cia com minhas pró­pri­as for­ças, e essa e outras tan­tas situ­a­ções desa­fi­a­do­ras, tris­tes, e aca­cha­pan­tes aca­ba­ram me aju­dan­do a me conhe­cer e a saber quais são meus limi­tes, fra­gi­li­da­des e potencialidades.

Sou con­tra o bullying, obvi­a­men­te, mas tam­bém sou radi­cal­men­te con­tra a super­pro­te­ção. Sou con­tra uma peda­go­gia ali­e­nan­te que fra­gi­li­za, mima e depri­me as cri­an­ças. Sou con­tra os pudo­res que tolhem a opi­nião e a ver­da­de dian­te do que é erra­do à luz da Pala­vra de Deus. Uma gera­ção de cris­tal foge do emba­te, do con­fli­to, das lutas, das difi­cul­da­des, das frus­tra­ções e das per­das tão comuns e cor­ri­quei­ras nes­te mundo.

O após­to­lo Pau­lo já pre­via que esse tem­po che­ga­ria. Ao escre­ver para seu dis­cí­pu­lo Timó­teo, ele dis­se: “Que pre­gues a pala­vra, ins­tes a tem­po e fora de tem­po, redar­guas, repre­en­das, exor­tes, com toda a lon­ga­ni­mi­da­de e dou­tri­na. Por­que virá tem­po em que não supor­ta­rão a sã dou­tri­na; mas, ten­do comi­chão nos ouvi­dos, amon­to­a­rão para si dou­to­res con­for­me as suas pró­pri­as con­cu­pis­cên­ci­as; e se recu­sa­rão a dar ouvi­dos à ver­da­de, entre­gan­do-se às fábu­las” (2 Tm 4:2–4).

Que o Senhor nos livre de ser par­te des­sa gera­ção de cris­tal, essa gera­ção mima­da, essa gera­ção que só quer ouvir fábulas.

Pr Tiago Valentim

Do ami­go e pastor,
Rev. Tia­go Valentin

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