Democracia versus teocracia

Então, se reu­ni­ram os após­to­los e os pres­bí­te­ros para exa­mi­nar a ques­tão. […] Então, pare­ceu bem aos após­to­los e aos pres­bí­te­ros, com toda a igre­ja” (At. 15.6 e 22).

Cer­ta vez ouvi de um pas­tor de outra deno­mi­na­ção que “não cabe demo­cra­cia den­tro da igre­ja”. Segun­do ele, os mem­bros não têm a capa­ci­da­de neces­sá­ria para, jun­ta­men­te com suas auto­ri­da­des, diri­gir a igre­ja. Por isso, tal tare­fa deve ser res­tri­ta aos líde­res. Con­fes­so que tal colo­ca­ção me cau­sou assom­bro. Como pode um pas­tor ter uma visão tão pes­si­mis­ta e pre­con­cei­tu­o­sa de suas ove­lhas? A res­pos­ta para isso pode­ria ser sua pura e total insegurança.

Na Igre­ja Meto­dis­ta, a for­ma de gover­no é a repre­sen­ta­ti­va, ou, como comu­men­te cha­ma­mos, uma demo­cra­cia. Sim, a Igre­ja Meto­dis­ta é e pos­si­vel­men­te sem­pre será demo­crá­ti­ca. Sim­pli­fi­ca­da­men­te, enten­de­mos que clé­ri­gos e lei­gos devem cami­nhar lado a lado para cum­prir a mis­são. Admi­nis­tra­ti­va­men­te, temos como refe­rên­cia, nas toma­das de deci­são, os con­cí­li­os, que vão des­de a esfe­ra local até a geral ou naci­o­nal. Usa­mos inclu­si­ve, no dia a dia da igre­ja, a expres­são “o con­cí­lio é sobe­ra­no”. Isto é, a deci­são con­ci­li­ar está aci­ma da von­ta­de indi­vi­du­al, seja de clé­ri­gos, seja de lei­gos. Demo­cra­ti­ca­men­te, toma­mos as deci­sões a res­pei­to da cami­nha­da da igre­ja levan­do sem­pre em con­si­de­ra­ção o voto da maioria.

Dife­ren­te­men­te do que acon­te­ce no isla­mis­mo, com os aia­to­lás, na Igre­ja Cató­li­ca Apos­tó­li­ca Roma­na, com o papa­do, e, curi­o­sa­men­te, entre a mai­o­ria dos neo­pen­te­cos­tais e seus após­to­los, que vivem um sis­te­ma de gover­no teo­crá­ti­co, no qual Deus é per­so­ni­fi­ca­do na figu­ra do líder ou gover­nan­te. Como podem três linhas reli­gi­o­sas tão dis­tin­tas entre si con­ver­gi­rem em algo? Pelo menos por duas razões ou erros.

Pri­mei­ra­men­te, viver a demo­cra­cia é um gran­de desa­fio que nem todos acei­tam enfren­tar. Isso por­que a demo­cra­cia den­tro da igre­ja exi­ge que seus líde­res sejam humil­des para reco­nhe­cer que nem sem­pre suas opi­niões são as melho­res, e tole­ran­tes para aca­tar deci­sões que podem mui­tas vezes ser con­trá­ri­as às suas. Devem, aci­ma de tudo, ter o míni­mo de ins­tru­ção para saber ori­en­tar e con­du­zir seus lide­ra­dos. Não há lugar para sacer­do­tes oni­po­ten­tes e oni­ci­en­tes. Tais atri­bu­tos são divi­nos, e não humanos.

Em segun­do lugar, alguns gru­pos reli­gi­o­sos, entre os quais os já cita­dos, optam pela teo­cra­cia, em detri­men­to da demo­cra­cia, por não conhe­ce­rem a Pala­vra (Mt. 22.29). No capí­tu­lo 15 de Atos, o tex­to bíbli­co nos apre­sen­ta um epi­só­dio de suma impor­tân­cia na his­tó­ria da igre­ja, o cha­ma­do Con­cí­lio de Jeru­sa­lém, ou Pri­mei­ro Con­cí­lio, no qual uma ques­tão de ordem dou­tri­ná­ria é deba­ti­da pela lide­ran­ça da Igre­ja. Seu defe­cho é a toma­da de uma deci­são em con­jun­to com a comu­ni­da­de. Temos aí a cla­ra demons­tra­ção de que a Igre­ja era e deve con­ti­nu­ar a ser con­du­zi­da de manei­ra democrática.

Não pode­mos con­fun­dir teo­cra­cia com teo­cen­tria, assim como fize­ram os dis­cí­pu­los, de acor­do com o mes­mo livro de Atos, ao ques­ti­o­na­rem Jesus sobre quan­do o rei­no de Isra­el seria res­tau­ra­do (At. 1.6). Em outro con­tex­to, Jesus afir­ma que seu rei­no não é des­te mun­do (Jo. 18.36). Deus está aci­ma de coi­sas cor­rup­tí­veis e tem­po­rais como os gover­nos huma­nos. Por isso, gover­nos e sis­te­mas reli­gi­o­sos teo­cên­tri­cos não pas­sam de mei­os heré­ti­cos de domi­nar e opri­mir o povo. Deus nos liber­tou inclu­si­ve para que pudés­se­mos ter a capa­ci­da­de de fazer nos­sas esco­lhas. Em con­tra­par­ti­da, temos que ter uma prá­ti­ca de fé teo­cên­tri­ca, ou melhor, cris­to­cên­tri­ca, na qual Cris­to é o cen­tro de todas as coi­sas, espe­ci­al­men­te da vida humana.

Hoje vamos rea­li­zar em nos­sa igre­ja o Con­cí­lio Local. Tere­mos, por­tan­to, a opor­tu­ni­da­de de exer­cer nos­sa “cida­da­nia cris­tã”. Que pos­sa­mos fazer isso com res­pon­sa­bi­li­da­de e temor àque­le que é o cen­tro, a cabe­ça da Igre­ja: Jesus Cris­to. Que Deus aben­çoe nos­sas vidas e Sua Igreja!

Pr Tiago Valentim

Com cari­nho e esti­ma pastoral,
Pr. Tia­go Valentin

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