Déficit de compreensão

Quan­do já devíeis ser mes­tres, ten­des, nova­men­te, neces­si­da­de de alguém que vos ensi­ne, de novo os rudi­men­tos…” (Hb 5.12)

Sem­pre é frus­tran­te para um pai ou pro­fes­sor cons­ta­tar que seus filhos ou alu­nos não apre­en­de­ram ensi­na­men­tos bási­cos que foram tra­ba­lha­dos e exer­ci­ta­dos por um lon­go tem­po. Nada con­tra os que foram pri­va­dos de opor­tu­ni­da­des, ou não foram acom­pa­nha­dos ade­qua­da­men­te. O pro­ble­ma são aque­les que deve­ri­am “ser mes­tres” por con­ta da aten­ção e esfor­ço des­pen­di­do, mas con­ti­nu­am sem­pre neces­si­tan­do retor­nar às lições rudimentares.

Na área edu­ca­ci­o­nal, os pro­fis­si­o­nais ficam aten­tos com o cha­ma­do Dis­túr­bio de Défi­cit de Aten­ção (DDA) que é uma sín­dro­me carac­te­ri­za­da por dis­tra­ção, difi­cul­da­de de orga­ni­za­ção, e inca­pa­ci­da­de para man­ter-se aten­to às tare­fas exi­gi­das. Seguin­do a mes­ma linha de raci­o­cí­nio, pare­ce que exis­te tam­bém um “défi­cit de com­pre­en­são do Evangelho”.

Vemos isso acon­te­cer até mes­mo no cír­cu­lo pró­xi­mo a Jesus. Fili­pe con­vi­veu qua­se três anos com o Mes­tre, e cer­to dia lhe fez um pedi­do sur­pre­en­den­te: “Senhor, mos­tra-nos o Pai e isso nos bas­ta”. Jesus lhe res­pon­de: “Fili­pe, há tan­to tem­po estou con­vos­co e não me tens conhe­ci­do? Quem me vê a mim vê o Pai”. Aque­le dis­cí­pu­lo, com o seu pedi­do, repre­sen­ta a todos que têm difi­cul­da­de de enxer­gar o ros­to divi­no no que é huma­no. Para estes, nada do que é ordi­ná­rio con­tém mani­fes­ta­ção divi­na: pre­ci­sam do extraordinário.

Era cons­tan­te a dis­cus­são entre os dis­cí­pu­los bus­can­do lugar de dis­tin­ção e pre­fe­rên­cia. Não enten­de­ram que Evan­ge­lho não é dis­pu­ta de poder. Por isso Jesus ensi­na­va: “entre vós não será assim”. De igual modo, líde­res moder­nos vivem em encar­ni­ça­da com­pe­ti­ção para aumen­tar o reba­nho ima­gi­nan­do que o mai­or no Rei­no dos Céus tem a ver com o tama­nho de suas congregações.

Feliz­men­te há exem­plos de com­pre­en­são qua­se ins­tan­tâ­nea. O eunu­co etío­pe, alto fun­ci­o­ná­rio da cor­te, ia em sua car­ru­a­gem len­do o pro­fe­ta Isaías. Fili­pe ache­ga-se e per­gun­ta “Enten­de o que lês?” (At 8.31). Ele res­pon­de: “como pode­rei enten­der se alguém não me expli­car? Fili­pe anun­ci­ou-lhe, então, a Jesus. Ele enten­deu o tex­to das Escri­tu­ras, abra­çou a fé e foi bati­za­do. Imediatamente.

Para com­pre­en­der, é fun­da­men­tal saber ouvir. Se eu não ouço o que o outro diz, eu não per­ce­bo o con­teú­do da men­sa­gem. Des­co­bri que em cer­ta cul­tu­ra indí­ge­na, quan­do o outro fala todos devem ouvi-lo em silên­cio e assim per­ma­ne­cer por lon­go tem­po. Somen­te depois é per­mi­ti­do que alguém se mani­fes­te. Ques­ti­o­na­do por um visi­tan­te, o che­fe indí­ge­na expli­cou: “se você fala algu­ma coi­sa, isso para nós é impor­tan­te, então pre­ci­sa­mos medi­tar no que você disse”.

O Evan­ge­lho é com­pre­en­di­do pelo ouvir. Se eu não con­si­go ouvir, eu não pos­so com­pre­en­der. Ou seja, ouvir é mais do que vibra­ção do tím­pa­no, mas dei­xar-se ser toca­do pelas pala­vras. Ouve-se com todo o ser. O pri­mei­ro e fun­da­men­tal dever do amor é o de ouvir. Com­pre­en­são exi­ge mais que conhe­ci­men­to, estu­do, lei­tu­ra… Exi­ge tam­bém sim­pli­ci­da­de. Jesus aler­tou que somen­te os sim­ples do cora­ção é que ouvi­ri­am e enten­de­ri­am o Evangelho.

Para com­pre­en­der o Evan­ge­lho é pre­ci­so ter cora­gem para abrir mão da baga­gem reli­gi­o­sa que che­gou até nós, car­re­ga­da por sécu­los de des­vi­os, acrés­ci­mos, cren­di­ces e supers­ti­ções. É pre­ci­so bus­car o ver­da­dei­ro Jesus nas pági­nas do Evan­ge­lho. Se a men­sa­gem cor­re­ta não for pas­sa­da, se o Deus da Bíblia não for expla­na­do e o Filho do Homem não for anun­ci­a­do, o que é trans­mi­ti­do não pas­sa de um simu­la­cro, um “Gezuz” que pre­ci­sa mor­rer para que nas­ça o ver­da­dei­ro Messias.

É ver­da­de que por vezes temos difi­cul­da­de em com­pre­en­der o Evan­ge­lho. Feliz­men­te Deus é paci­en­ci­o­so, e com voz sua­ve nos ensi­na: “João, não é pedin­do fogo do céu para con­su­mir os deso­be­di­en­tes que você irá sal­va-los”… “Pedro, não é usan­do a espa­da para cor­tar a ore­lha do ini­mi­go que você resol­ve os pro­ble­mas”… “Sau­lo, não é per­se­guin­do impi­e­do­sa­men­te os opo­si­to­res que você vai agra­dar a Mim”.

Quem recu­sa ouvir o que Deus tem a dizer atra­vés de Sua Pala­vra, e nega a sim­pli­ci­da­de no cora­ção, jamais ultra­pas­sa­rá os rudi­men­tos do Evan­ge­lho. Serão cha­ma­dos de reli­gi­o­sos, fala­rão “Senhor, Senhor”, pro­fe­ti­za­rão, expe­li­rão demô­ni­os e até farão mila­gres… mas “naque­le dia”, ouvi­rão expli­ci­ta­men­te: “nun­ca vos conhe­ci” (Mt 7.23).

Ao estag­na­rem, além de não conhe­ce­rem a Jesus e não com­pre­en­de­rem a men­sa­gem do Evan­ge­lho, per­de­rão o melhor da festa.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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