A guerra silenciosa

De onde pro­ce­dem guer­ras e con­ten­das que há entre vós? De onde, senão das pai­xões que mili­tam na vos­sa car­ne? (Tia­go 4.1)

N este exa­to momen­to uma des­gas­tan­te bata­lha pode estar sen­do tra­va­da den­tro de você. Do lado de fora, sinais exte­ri­o­res de apa­ren­te sere­ni­da­de. No fun­do da alma, bem dis­far­ça­do, um tur­bi­lhão de sen­ti­men­tos e dese­jos rea­li­zam esca­ra­mu­ças silen­ci­o­sas. Quem não pos­sui um olhar mais aten­to pode até não per­ce­ber, pois esse con­fli­to não é visí­vel: notam-se ape­nas os seus resultados.

Creio que para a mai­o­ria dos cris­tãos os gran­des pro­ble­mas não estão exa­ta­men­te “lá fora”, no mun­do, ou na figu­ra do dia­bo, mas no inte­ri­or. Aliás, depen­den­do do grau de con­fli­tos inter­nos nem pre­ci­sa­mos de um “adver­sá­rio” [do gr. dia­bo­los] e acu­sa­dor, pois tor­na­mo-nos o dia­bo para nós mesmos.

Jesus já apon­ta­va que é “de den­tro do cora­ção do homem que nas­cem os maus desíg­ni­os”. Até mes­mo coi­sas como “fei­ti­ça­ria”, que sem­pre foi con­si­de­ra­da uma ação satâ­ni­ca, é elen­ca­da por Pau­lo, na ver­da­de, como obra da carne.

Tia­go demons­trou a ori­gem de mui­tos de nos­sos pro­ble­mas: “De onde vêm as guer­ras e con­ten­das que há entre vocês? Não vêm das pai­xões que guer­rei­am den­tro de vocês?” (Tg 4.1). Pai­xões [do gre­go pathos] são aque­las ten­sões impe­tu­o­sas que atu­am for­te­men­te sobre nós, e reper­cu­tem no orga­nis­mo, na men­te e na von­ta­de. Ou seja, Tia­go colo­ca o pro­ble­ma sob a pers­pec­ti­va cor­re­ta: são elas que pro­vo­cam desa­ven­ças, intri­gas, fala­tó­ri­os, ini­mi­za­des, difi­cul­da­de de con­vi­vên­cia har­mo­ni­o­sa e dese­qui­lí­brio interior.

As nos­sas pai­xões em guer­ra levam a uma visão dis­tor­ci­da da vida, e fal­si­fi­cam a rea­li­da­de. Quem garan­te que aqui­lo que você vê, é de fato, o que é? Recor­ro mais uma vez às Escri­tu­ras: “Tu vês mui­tas coi­sas, mas não as obser­vas; ain­da que tens os ouvi­dos aber­tos, nada ouves” (Is 42.20).

Não somen­te os olhos, mas até os ouvi­dos sofrem dis­tor­ção: nem sem­pre as pala­vras que falo são as pala­vras que você ouve. Já ten­tou falar com uma pes­soa emo­ci­o­nal­men­te alte­ra­da? Mui­to pro­va­vel­men­te suas pala­vras não serão enten­di­das con­for­me você falou.

O que é isso senão uma “dis­po­si­ção men­tal repro­vá­vel” (Rm 1.28)? Essa dis­po­si­ção men­tal pro­vo­ca ciú­mes doen­ti­os (pois vê o que não exis­te), pro­vo­ca intri­gas (pois ouve o que não foi fala­do), leva a um afas­ta­men­to soci­al (se enxer­ga com­ple­xa­do e infe­ri­or), para­li­sa de medo (pois vê ini­mi­gos onde há ape­nas sombras).

A imen­sa mai­o­ria dos cris­tãos não se atém a esses pro­ble­mas, pois sua aten­ção está vol­ta­da para a cura de doen­ças físi­cas (prin­ci­pal­men­te “caro­ços”) e qua­se nenhu­ma cons­ci­ên­cia de suas “ver­da­dei­ras” doen­ças. É como se Deus esti­ves­se inte­res­sa­do em resol­ver somen­te as ques­tões liga­das ao cor­po, mas não sua ques­tão exis­ten­ci­al. Se hoje Jesus fizes­se conos­co o que fez com o para­lí­ti­co bai­xa­do de um telha­do por seus ami­gos, nós pro­tes­ta­ría­mos. O que o Mes­tre lhe ofe­re­ceu? “Filho, os teus peca­dos estão per­do­a­dos”. Ora, diría­mos nós, “não é bem isso o que eu quero…”.

C. H. Mac­kin­tosh escre­veu: “Quan­do vejo quem eu sou me ater­ro­ri­zo, mas quan­do lem­bro quem Deus é, me tranqüi­li­zo”. Ren­der-se ao Espí­ri­to, à Pala­vra, à man­si­dão, é o cami­nho que temos de tri­lhar. Se a guer­ra inte­ri­or é ine­vi­tá­vel, ao menos tome­mos cons­ci­ên­cia dela, e con­ce­da­mos uma aber­tu­ra para Deus agir.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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