Bondade desproporcional

Caim e Abel“
por Keith Vaughan (1946)

Um dos sen­ti­men­tos mais pri­mi­ti­vos da huma­ni­da­de é a vin­gan­ça, como pode­mos cons­ta­tar pela his­tó­ria de Caim e Abel. Cheio de ira e de inve­ja, Caim deci­diu matar seu irmão sim­ples­men­te para se vin­gar. Ou seja, como Abel dei­xou Caim tris­te, este se achou no direi­to de revi­dar. É cer­to que seu revi­de foi abso­lu­ta­men­te des­pro­por­ci­o­nal, mas sua sede por vin­gan­ça foi saciada.

Por incrí­vel que pare­ça, sécu­los depois essa prá­ti­ca se trans­for­mou em lei, a fim de legi­ti­mar e con­ter a vin­gan­ça des­pro­por­ci­o­nal: a cha­ma­da Lei de Talião. Do latim lex tali­o­nis (lex: lei; e talis: tal, idên­ti­co), a Lei de Talião sig­ni­fi­ca a rigo­ro­sa reci­pro­ci­da­de entre o deli­to e a pena. Daí a máxi­ma ins­pi­ra­da na lei: “olho por olho, den­te por den­te”. Essa lei tem sua ori­gem no Códi­go de Hamu­rá­bi, de 1790 a.C., ins­ti­tuí­do no Impé­rio Babilô­ni­co, mas foi difun­di­da e ampla­men­te apli­ca­da no perío­do do Impé­rio Romano.

Ao esta­be­le­cer as esta­cas dou­tri­ná­ri­as do Seu minis­té­rio, no ser­mão do mon­te, Jesus abor­da essa ques­tão com Seus ouvin­tes, já acos­tu­ma­dos com a bar­bá­rie, o sadis­mo e o rigor roma­no. Ele cita expli­ci­ta­men­te a máxi­ma que sin­te­ti­za­va a Lei de Talião (Mt 5:38), mas, como fez duran­te todo aque­le ser­mão, iden­ti­fi­ca os valo­res e prá­ti­cas cor­ren­tes naque­le tem­po e apre­sen­ta o con­tra­pon­to da pro­pos­ta do Rei­no de Deus. Por isso, Ele diz na sequên­cia: “Eu, porém, vos digo: não resis­tais ao per­ver­so; mas, a qual­quer que te ferir na face direi­ta, vol­ta-lhe tam­bém a outra”. E acres­cen­ta: “Amai a vos­sos ini­mi­gos, ben­di­zei os que vos mal­di­zem, fazei bem aos que vos odei­am e orai pelos que vos mal­tra­tam e vos per­se­guem” (Mt 5:39 e 44).

A pro­pos­ta de Jesus para Seus ouvin­tes (e isso nos inclui) é de que deve­mos fazer exa­ta­men­te o con­trá­rio do que as pes­so­as dizem que se deve fazer, ain­da que isso seja uma lei, pois, se tal prá­ti­ca fere os prin­cí­pi­os de Deus, deve ser des­pre­za­da e, mais do que isso, deve­mos agir com espí­ri­to con­trá­rio, fazen­do o bem para os que nos odei­am. O após­to­lo Pau­lo sin­te­ti­zou esse prin­cí­pio ao escre­ver para a igre­ja em Roma, dizen­do: “Não te dei­xes ven­cer do mal, mas ven­ce o mal com o bem” (Rm 12:21).

Às vezes, algu­mas pes­so­as me dizem que fica­ram cha­te­a­das por não terem sido cum­pri­men­ta­das por alguém nos cor­re­do­res da igre­ja. O meu con­se­lho, nes­se caso, é sem­pre o mes­mo: “Vá atrás des­sa pes­soa e a cum­pri­men­te você”. Fre­quen­te­men­te, caí­mos em cer­tos melin­dres tão infan­tis que nos tor­na­mos iguais ou pio­res do que aque­la pes­soa desa­per­ce­bi­da ou malcriada.

A melhor for­ma de ven­cer uma opo­si­ção, uma intri­ga ou uma dis­cór­dia é, pri­mei­ra­men­te, colo­car essa situ­a­ção dian­te de Deus, fazen­do o mara­vi­lho­so exer­cí­cio de pedir para que Ele aben­çoe a pes­soa ou as pes­so­as envol­vi­das. Em segun­do lugar, deve­mos agir com uma bon­da­de des­pro­por­ci­o­nal. Ain­da que seja con­tra nos­sa natu­re­za ou nos­sa von­ta­de, o nos­so espí­ri­to tem de ven­cer a nos­sa carne.

Não há nada mais cons­tran­ge­dor do que o amor. Por isso, se que­re­mos a solu­ção de um con­fli­to, a melhor estra­té­gia é tra­tar a pes­soa bem, com cor­di­a­li­da­de e res­pei­to. Quan­do uma pes­soa espe­ra de nós vin­gan­ça e agi­mos com bon­da­de, não cede­mos às arma­di­lhas de Sata­nás, for­ta­le­ce­mos a nos­sa fé e cami­nha­mos na dire­ção da paz.

Pr Tiago Valentim

Do ami­go e pastor,
Rev. Tia­go Valentin

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.